Mais de 110 anos se passaram desde que o Brasil formou sua primeira médica negra, a Doutora Maria Odília Teixeira. Apesar de muita coisa ter mudado desde então, ainda é difícil encontrar uma pessoa negra com essa profissão.
Em termos de imagem, a nefrologista carioca Scyla Maria Reis diz que ao longo de seus cursos não viu pessoas com traços semelhantes aos seus.
“O número de médicos negros ainda é baixo”, diz a nefrologista carioca Scyla Maria Reis.
Na semana da Consciência Negra, o G1 publica a série especial "O que nos une". As reportagens lembram personagens negras e negros importantes na história do Brasil, por meio do olhar de pessoas inspiradas por eles ou que têm trajetórias similares.
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Scyla Reis fala da representatividade negra na medicina — Foto: Marcos Serra Lima/G1
Duas Marias com histórias semelhantes. Mulheres negras que se graduaram em medicina, profissão que ainda é majoritariamente exercida por pessoas brancas. Esta realidade, no entanto, tem mudado com o passar dos anos.
Dados do IBGE mostram que negros se tornaram a maioria dos estudantes nas universidades públicas em 2019. Na terminologia oficial do instituto, eles são a soma dos estudantes pretos e pardos e representavam 50,3% do total. Nas universidades particulares, a tendência também é de crescimento, mas os alunos negros ainda não ultrapassaram os 50%.
A pesquisa mostra ainda que a população negra representa quase 55% da força de trabalho. Mesmo sendo maioria, os negros enfrentam desigualdade no caminho da base até o topo, tendo que passar por uma janela estreita de oportunidades: só 30% dos cargos de comando no país são ocupados por negros.
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Scyla Reis fala da representatividade negra na medicina — Foto: Marcos Serra Lima/G1
“De uma maneira geral, a gente não vê um número enorme ainda, mas acho que essa situação está progredindo em relação a ocupar esses espaços”, afirma. “Como candidatos, jovens em formação, residentes, esse número vem aumentando progressivamente”, comemora a médica.
Maria Odília Teixeira se formou em medicina em 15 de dezembro de 1909, com muito esforço e ajuda de seus familiares. No Brasil, ela foi a primeira mulher negra a se graduar na área e também a primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia. O fato de Odília ter seguido a carreira acadêmica é motivo de admiração para Scyla.
“Certamente ela deve ter travado muitas batalhas, porque quando a gente alcança esse momento de professor da universidade, é um momento de muita dureza, de muita disputa”, afirma a médica sobre Maria Odília.
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Scyla Reis fala da representatividade negra na medicina — Foto: Marcos Serra Lima/G1
Famílias de médicos
Nascida em São Félix do Paraguaçu, na Bahia, Maria Odília era filha do também médico José Teixeira. É uma realidade que também atravessa a vida de Scyla, que é filha de Syllos de Sant’Anna Reis e neta de Synval de Sant'Anna Reis - médicos negros formados pela então Universidade do Brasil, a atual UFRJ.
“Eu acho que a medicina tem um pouco desse encantamento, esse lugar do filho que segue a carreira do pai. Na medicina isso é muito frequente”, revela a médica.
O fascínio pela medicina ultrapassou gerações na família Teixeira. Além do pai de Maria Odília, um dos filhos dela, dois netos e duas bisnetas da médica optaram por seguir carreira na área.
Ainda que sua profissão oferecesse prestígio, o patriarca da família era de origem pobre, e Maria Odília contou com a ajuda de seu irmão, Tertuliano, para concluir a faculdade. Mesmo sem sair do Brasil, a primeira médica do país falava cinco línguas fluentemente.
Saúde como área de resistência
A médica baiana também é emblemática quando o tema é a luta contra o totalitarismo. Maria Odília encarou os feitos da ditadura do Estado Novo e defendeu sua família, em Ilhéus, em 1937, quando o seu marido, Eusínio Gaston Lavigne, foi destituído do cargo de prefeito da cidade. Quase trinta anos depois, em 1964, sofreu com a prisão de seu companheiro durante a ditadura militar.
Para Scyla Maria, ocupar espaços em hospitais como uma mulher negra também é um ato político. Ela conta que, quando decidiu fazer medicina, ainda havia a ideia de que mulheres não deveriam seguir a profissão. Apesar disso, deixou de lado a hipótese de ser professora da educação infantil para seguir a carreira do pai.
“Era um olhar ao mesmo tempo político, ao mesmo tempo um olhar um pouco feminista. Porque tinha aquela coisa: ‘Medicina não é coisa para mulher’. Eu falei: ‘Desculpa, mas eu sou da época em que eu acho que a mulher faz o que quer’”, confessou a médica.
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