Quase 100 anos após a construção do primeiro arranha-céu da cidade, São Paulo irá inaugurar, em 2022, um novo gigante em sua paisagem. Com seus 172 metros de altura, o 'Platina 220' supera o posto de mais alto prédio da capital, deixando para trás o Mirante do Vale, dois metros mais baixo.
E pela primeira vez o prédio mais alto de São Paulo não está localizado no Centro da capital, e sim no bairro do Tatuapé, na Zona Leste da cidade. A sua inauguração aponta para uma tendência de verticalização no tradicional bairro paulistano que há anos vem trocando seu cenário de sobrados e vilas por edifícios.
Ainda em construção no número 220 da rua Bom Sucesso, o 'Platina' ganhou o posto de mais alto da cidade em março de 2021, quando o seu 50º e último andar foi construído.
Até agora, foram usadas 2.300 toneladas de aço e 29.100 metros cúbicos de concreto. Para segurar o gigante, 32 metros de estacas perfuram o solo e dão sustentação à construção. Vinte elevadores deverão ser instalados para o acesso do público no prédio que terá uso misto, ou seja, salas comerciais e apartamentos residenciais.
Prédios mais altos de São Paulo:
- Platina 2020 - 172 metros
- Mirante do Vale - 170 metros
- Figueira Altos do Tatuapé - 168 metros
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2021/G/6/ckIkk8QyO9QJjgl2mA4w/platina-2-phteste.jpg)
Prédio mais alto de São Paulo tem 172 metros e é o primeiro a carregar o título e não estar localizado na região central. Edifício fica no Tatuapé, na Zona Leste da cidade. — Foto: Giaccomo Vocio/G1
Nascido e criado no Tatuapé, o urbanista Lucas Chiconi acredita que o conjunto de transformações trazidas pelos novos - e altos - empreendimentos apaga a memória e a identidade do bairro. Em 2019, Chiconi fez parte de um grupo que tentou impedir a demolição de um conjunto de casas da década de 50 que faziam parte da vila operária João Migliari, a 1 km de onde está o Platina 220.
Vinte das 60 casas foram demolidas para a construção de um empreendimento. As 40 casas restantes passaram a ser avaliadas pelos órgãos do patrimônio histórico. Mas, antes que o resultado saísse, o proprietário mandou demolir as casas. Apenas cinco casas permanecem de pé, ao lado de um terreno baldio cercado por tapumes, onde antes era o restante da vila.
"São justamente esses conjuntos de casas, com importância arquitetônica, social e econômica, que me ajudam a me identificar como cidadão do Tatuapé", conta Chiconi.
Também era uma série de casas que ocupava o quarteirão onde hoje está o prédio mais alto de São Paulo. Casas geminadas de diferentes cores, que remetiam a um período de ocupação industrial do bairro, abrigavam residências e pequenos comércios.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2021/7/u/MxZl0LRKWqpB8LF86y8Q/2010maps.png)
Registro de 2010 das casas que ocupavam espaço onde foi erguido o prédio mais alto de São Paulo, o 'Platina 220', no Tatuapé, na Zona Leste — Foto: Reprodução/Google Street View
O urbanista explica que, desde os anos 2000, o bairro passa por um intenso processo de verticalização. A partir de 2010, esse fenômeno ganhou empreendimentos mais luxuosos, que o especialista nomeia como perfil "ostentação".
Para Aline Meira, arquiteta e coordenadora de Ciência Urbana da Porte Engenharia e Urbanismo, construtora responsável pelo Platina 220, o novo sempre causa um impacto muito grande para as pessoas. Segundo Aline, a construtora não buscou o título de mais alto, mas apostou na verticalização para que o prédio pudesse usar a menor área possível do terreno, e assim, tenha mais área dedicada a calçadas e áreas verdes.
Desta forma, em vez de construir duas torres de 25 andares, por exemplo, optou por uma de 50. “É uma solução que somente um recuo maior [entre o imóvel e a rua] e uma torre mais estreita e mais verticalizada permitem”, defende Aline.
A construtora nasceu na região há 35 anos e os lançamentos pretendem atrair empresas para a Zona Leste e oferecer apartamentos residenciais de alto padrão, como o "Figueira Altos do Tatuapé".
A 1,4 km do Platina 220, no miolo do bairro, ele se tornou o residencial mais alto da cidade, previsto para ser inaugurado em agosto. Ainda que seja quatro metros menor do que o Platina, o prédio está em um ponto mais elevado da região, o que lhe confere um gigantismo ainda maior.
Este é um dos representantes do que o urbanista Chiconi chama de "ostentação". Com apartamentos de 337 metros quadrados sendo vendidos a partir de cerca de R$ 5 milhões, o residencial já teve 47 dos seus 48 imóveis vendidos.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2021/Q/g/BY2iwMQ6WkZtrBXghqKw/dji-0932.jpg)
'Figueiras do Tatuapé' se tornou o residencial mais alto de São Paulo, com 168 metros de altura, apenas quatro a menos que o maior prédio da cidade, da mesma construtora. — Foto: Giaccomo Vocio/G1
Recentemente, uma foto viralizou na internet mostrando a extensa sombra causada pela construção de 168 metros sobre as casas baixas de seu entorno.
Pela legislação atual da cidade, o prédio sequer poderia ser construído naquele local. Mas, meses antes da aprovação do atual Plano Diretor, que orienta como e para onde a cidade deve crescer até 2030, a construtora protocolou o pedido de obras do residencial Figueiras.
O pedido de aprovação das obras na Prefeitura de São Paulo foi feito em setembro de 2013, e em julho de 2014 o Plano Diretor foi sancionado, limitando em oito andares os novos prédios construídos no interior dos bairros. Por ter feito o pedido de construção antes da regra, o Figueiras pôde construir 50 andares, em vez dos oito previstos na nova legislação.
A regra quer evitar que os miolos de bairros sejam verticalizados, causando transtornos de mobilidade e infraestrutura. "Se a gente tem vários arranha-céus, acaba acontecendo o que a gente vê na Vila Olímpia, por exemplo, onde tem congestionamento de carro na garagem antes mesmo de sair do edifício”, explicou a arquiteta e urbanista Danielle Klintowitz, coordenadora do instituto Pólis e integrante do Conselho Municipal de Política Urbana. Cada um dos 48 apartamentos do Figueiras tem cinco vagas de garagem.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2021/2/8/BlEEa3QI6v5Og1MyHNTQ/viralizou.png)
Foto que mostra sombra de residencial de 50 andares na vizinhança viralizou e causou polêmica na internet — Foto: Reprodução/Instagram/Daniel Frias
Para Danielle, a foto mostrando a sombra do Figueiras sobre o bairro do Tatuapé é um exemplo do que poderia acontecer se o processo de verticalização se intensificasse ainda mais dentro do bairro.
“Na foto a gente vê a grande sombra que ele está provocando ali. Se tiver uma quantidade de edifícios iguais a ele, vamos estar criando um microclima inadequado, com pouca ventilação e pouca iluminação”, disse Klintowitz.
A incorporadora Porte disse que a sombra é fina, pelo prédio ser muito alto, e de rápida rotação, como “o ponteiro de um relógio”.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2021/4/W/vgnVvcRZiqGy8jLA7glA/arranha-ceu-sp-mbb-6397-fabio-tito-g1.jpg)
Bairro do Tatuapé, na Zona Leste da cidade, passa por intenso processo de verticalização desde os anos 2000 — Foto: Fábio Tito/G1
Já o Platina, o mais alto da cidade, está a cinco minutos de caminhada da Estação Tatuapé do Metrô e da CPTM, o que o faz estar dentro das regras estabelecidas pelo Plano Diretor de 2014, que tem o objetivo de adensar os eixos de transporte público da cidade.
O limite de altura dos prédios voltou à pauta este ano, com a perspectiva de revisão do Plano Diretor, que está prevista em lei. Setores do mercado imobiliário reivindicam a flexibilização das regras, enquanto entidades da sociedade civil querem manter os dispositivos atuais do plano.







